sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Um milhão e novecentos mil brasileiros são discriminados

Preconceito mascarado esconde sociedade homofóbica

Larissa Tomazini

Era madrugada de sexta-feira. Pai e filho se divertiam em uma festa agropecuária em São João da Boa Vista, interior de São Paulo, quando um grupo de homens se aproximou dos dois e perguntou se eles eram gays. A desconfiança surgiu pelo fato de pai e filho estarem abraçados. O pai respondeu que não, eram gays, mas isso não foi suficiente. O grupo de homens começou a agredi-los. O pai teve parte da orelha decepada, enquanto o filho levou vários chutes e socos. Ao fim da sessão de espancamentos, os agressores fugiram e pai e filho foram levados ao hospital. Essa história tinha tudo para ser ficção, mas os personagens são reais e a violência gratuita realmente aconteceu.
Nos últimos meses, foram noticiados diversos casos de homofobia em todas as regiões do Brasil. O estado de São Paulo lidera o ranking de denúncias de agressão contra homossexuais, seguido pela Bahia e Piauí, conforme pesquisa da Secretaria dos Direitos Humanos. O jauense Bruno Barros afirma que já sofreu preconceito por ser gay; “antes eu era mais ‘fraco’ e deixava as pessoas, que digo serem sem cérebro, me atingirem. Hoje, se existe preconceito, realmente não sei, porque o preconceito é tão ridículo que finjo que não vejo”. Bruno conta que comentários homofóbicos sempre existem ao seu redor, mas ele não se deixa intimidar com as brincadeiras.
Para a psicóloga Milena Oliveira, o preconceito contra homossexuais pode causar consequências graves. “A homofobia pode gerar desconforto e desequilíbrio emocional, além de insegurança, medo e retraimento. Em casos mais extremos, é comum o ímpeto de suicídio porque o indivíduo não suporta a pressão e o preconceito”. Como forma de protesto à homofobia, a 4ª Parada da Diversidade, com o tema “Eu amo a vida – Diga não à violência”, reuniu cerca de 40 mil pessoas em Bauru. O histórico das Paradas da Diversidade em Bauru mostra que a aceitação por esse tipo de manifestação tem aumentado; o número de participantes da quarta edição do evento ultrapassou em 10 mil o da edição anterior. “Bauru avançou muito nos últimos anos. Realizamos um grande movimento de luta pelos direitos civis dos LGBT, que acabou sendo a maior parada gay do interior do estado, só perdendo para a capital”, diz o professor João Winck, conselheiro da ONG Bauru pela Diversidade, responsável pela organização da Parada da Diversidade de Bauru.
Quando alguém assume que é homossexual, o apoio da família é primordial porque ainda vivemos em uma sociedade preconceituosa, como afirma Winck: “estamos longe de sermos um país tolerante e isso com relação a todas as populações vitimadas, além dos homossexuais, sobretudo as mulheres, os negros, os velhos e as crianças”. A reação de cada família varia, podendo ser positiva ou não, mas, conforme explica Milena Oliveira, somente com apoio e base familiar o indivíduo consegue superar seus medos relacionados ao assunto.
Para Bruno Barros, assumir sua opção sexual não foi um problema. “Contei primeiramente a minha mãe, já não aguentava mais guardar pra mim. Depois de um ano, contei ao meu avô. E depois de um tempo, ao meu irmão. Minha mãe chorou, disse que me respeitava e que sempre iria me aceitar, que sempre soube. Mas que tinha medo, pois eu iria sofrer. Meu avô ficou quieto. Meu irmão teve a melhor reação. Ele disse que sempre soube e que me apoiava 100%”. Já o estudante bauruense C.E.O., que não quis se identificar, não contou à sua família que é homossexual, embora acredite que já desconfiem. “Minha família ainda não sabe. Acho que se soubessem, a reação seria de preocupação, pela grande violência e repúdio aos homossexuais”, explica.
Apesar dos avanços e conquistas dos homossexuais, como a permissão para união estável, ainda não há uma lei que caracterize a homofobia como crime. Contudo, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), juntamente com mais de 200 organizações afiliadas, desenvolveram o Projeto de Lei 5003/2001, que mais tarde veio se tornar o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006, propondo a criminalização da homofobia no Brasil.
Caso esse projeto seja aprovado no Congresso Nacional, o PLC mudará a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, caracterizando crime a discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Em outras palavras, qualquer pessoa que sofrer discriminação por causa de sua orientação sexual poderá prestar queixa em qualquer delegacia policial e abrir um processo judicial. Um dos motivos que justifica essa lei, segundo a ABGLT, é o fato de que aproximadamente 10% dos brasileiros sofrem discriminação, como violência física e agressão verbal, e os agressores continuam impunes. Para o estudante C.E.O., a lei é importante, mas apenas isso não basta; “para o fim da homofobia teremos que ensinar, começando nas escolas, que deveriam tratar melhor os assuntos sobre diversidade. Mas, claro que os homofóbicos deveriam receber uma punição pela discriminação, como qualquer outro crime que temos descritos no Código Penal brasileiro”.
Ainda que o debate sobre a homofobia na mídia esteja crescendo e a aceitação do assunto seja cada vez maior, os índices mostram que falta muito para que a homossexualidade seja aceita. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 145 moradores de Bauru afirmaram viverem uniões homossexuais em 2010. Essa é a primeira vez que o censo faz esse tipo de contagem e revela dados interessantes, mas não surpreendentes, uma vez que esse número foi considerado, pelos coordenadores do censo em Bauru, um resultado ainda tímido, se comparado ao de outras regiões. A psicóloga Milena observa que a luta pela diversidade e contra a homofobia existe há tempos e só agora vem tendo real importância. Talvez por isso, ainda sejam poucos os que assumem fazer parte de uma relação homossexual. “É realmente importante que essa luta continue crescendo para que continue modificando pensamentos ou abrindo mentes”, acrescenta.
“Preconceito é tão século passado que é ridículo ainda existir”. É assim que Bruno Barros define a homofobia. Em um país que passa a idéia de aceitação da diversidade, falta muito para o preconceito desaparecer, mas algumas mudanças já vêm ocorrendo. “Aprovamos a lei que institui a Semana de Combate ao Preconceito e à Violência, que se encerra com a Parada da Diversidade. Além disso, aprovamos na Câmara o Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual. Creio que avançamos bastante. Com certeza ainda não é o suficiente, mas o que já se fez coloca Bauru na vanguarda do movimento LGBT no estado de São Paulo”, finaliza Winck.

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