Depoimentos



"Eu saí de casa por volta das cinco e meia, seis horas, para ir para o ponto de ônibus, para ir para a Unesp. O dia estava claro ainda. Eu fui descendo pela Henrique Savi, a rua do shopping.
De repente, três pessoas vieram me cercando, me colocando contra o muro. Eram três caras. Me perguntaram se eu tinha celular. Eles foram focados no celular mesmo, não queriam outra coisa. Eles foram me empurrando e pegaram minha mochila. Eles não acharam porque eu tinha esquecido o celular em casa. Perguntaram quanto que eu tinha de dinheiro e me ameaçaram de agressão física. No fim, acabaram levando só trinta reais que eu tinha comigo naquela hora.
O que eu achei mais estranho foi ter acontecido naquela rua, que é muito movimentada. E durante o dia, no fim da tarde. Eram bandidinhos, mesmo. Até perguntaram se eu tinha dinheiro pro ônibus.
Eu acho um absurdo a gente ter que passar por isso, ainda mais durante o dia, em uma rua tão movimentada. Um amigo meu havia sido assaltado no dia anterior. A gente registrou boletim de ocorrência, mas não deu em nada."
(Guilherme Henrique, vítima de assalto à luz do dia)



"Você fica se sentindo culpada, procurando um motivo, se questionando se fez ou falou alguma coisa. Mas não, os 
culpados são eles."
(Maria, vítima de assédio no ambiente de trabalho)


A violência contra a mulher...

A doméstica Creusa Lopes Fagundes, 49 anos, viveu maus momentos ao lado do marido, com quem se casou aos 13 anos de idade por imposição do pai. 
O casal teve cinco filhos: quatro meninas, uma delas falecida, e um menino. Os sete primeiros anos de casamento foram harmoniosos e o casal tinha uma vida financeira estável. Mas, a partir desse momento, o marido, que já bebia, passou a beber mais e tornou-se muito violento. “Eu sabia que ele bebia, mas não sabia que ele era violento”, lembra.
As agressões foram muitas e não se limitavam a Creusa, estendiam-se aos filhos. Ameaças e ferimentos com faca, chutes no rosto e nas costas, puxões de cabelo, intimidação verbal, proibição para sair de casa e trabalhar, inclusive agressões enquanto estava grávida são algumas das situações relatadas. Certa vez, o marido tentou cometer suicídio e colocar a culpa na esposa. “Ele não me deixava pentear o cabelo, tomar banho e escovar os dentes para sair de casa”, diz.
O casal perdeu uma filha com seis anos de idade; “ela morreu de fome porque ele não me deixava trabalhar. Se eu estivesse trabalhando minha filha não teria morrido, ela estaria hoje junto com as outras”. Além disso, a criança teve complicações com problemas de saúde.  A outra filha, o pai agrediu na cabeça e no mesmo instante a menina expeliu sangue pelo nariz e pelos ouvidos. Passou a ter dificuldade para ler, relata Creusa.
Em outro fato marcante o marido tenta enterrar viva uma das filhas. Creusa conta que foi avisada no trabalho e que deveria ir rapidamente para casa. “Ele tinha cavado uma cova”, lembra. A polícia foi chamada, mas o agressor fugiu na ocasião e ficou impune.
Creusa conta que um dia foi trabalhar com um hematoma no rosto e mentiu dizendo que havia caído na rua, mas não conseguiu enganar os colegas de trabalho. O marido trabalhava, mas todo o dinheiro que conseguia usava para beber. Creusa chegou a pedir esmolas na rua e pegar restos de alimentos na feira e conta que sentia medo e vergonha.
A doméstica procurou a polícia em diversas ocasiões. “Briga de família, de marido e mulher, não tem nada não”, era a resposta que ouvia das autoridades para as suas denúncias. Na escola, os professores observavam os sinais de violência visíveis nos filhos do casal, mas não interferiam. “A escola e a polícia podiam ter ajudado e orientado mais”, ressalta.
Certo dia, alertada pelos vizinhos, Creusa notou um olhar estranho do marido para uma das filhas e percebeu sua intenção maliciosa. Foi a gota d’água. Creusa e seus quatro filhos saíram de casa e contaram com a ajuda de amigos que os acolheram até que arrumassem um lugar para viver.
Ao sair de casa, Creusa perdeu o medo que sentia do marido e reconstruiu sua vida. Nunca mais sofreu nenhuma agressão e é uma mulher independente. Já estão separados há vinte anos.
“Eu estava dormindo, eu estava morta”, relata Creusa quando questionada sobre os anos que conviveu com a violência do marido.
“Sou super feliz”, diz ao terminar seu depoimento, com um sorriso no rosto, após ter retomado sua vida.
(Creusa Lopes Fagundes, vítima de violência)


A violência contra a mulher...

A pedagoga Lygia Bovo, 55, foi outra vítima da violência contra a mulher. Casou-se aos 25, contrariando a família. Filha única, de um casal que se amava incondicionalmente, nunca presenciou discussões entre os pais. Em seu casamento, a relação tomou outro rumo.
Tudo ia bem até o primeiro filho. A princípio, agressões verbais; depois, espancamentos. “Ele me diminuía muito quando estávamos sozinhos”, conta. O casal teve três filhos; “o segundo, ele rejeitava”. Antes da mais nova nascer, ele engravidou outra mulher. “Ele mesmo contou, na boa”, observa.
A partir daí, viveu momentos de horrores; “foram anos, culminando com ele pondo fogo em mim na frente dos filhos”. A vítima ficou quatro meses internada, mas não o denunciou. Com medo de ficar longe dos filhos, voltou para casa. “Teve época que virava contra as crianças”, conta.  
O homem levou a mãe do outro filho para morar com eles. “Ele achava lindo ter duas mulheres”, ressalta. Foram dez anos de casamento e mais dois até ficar livre. Do alto do prédio em que morava, ele conseguia enxergar Lygia na locadora em que foi trabalhar e ligava para intimidá-la. 
Lygia cuidava do outro menino. Uma vez, foram buscá-lo no apartamento dela e ele agrediu a outra; “bateu tanto nela, na minha frente, na minha casa. Eu encolhida no sofá, ele falava ‘não abre a boca senão sobra pra você’. Quebrou as duas mãos dela. Bateu da meia-noite às quatro. Meu apartamento ficou cheio de sangue. Só conseguia ter medo”. O homem levou todos para o apartamento dele. Lá, obrigou Lygia a se sentar no chão, via-a da cama e a proibiu de ajudar a outra. De manhã, trancou-os e foi trabalhar. “Ficamos lá o dia inteiro, sem avisar ninguém”, relata.
Quem despertou Lygia foi o filho mais velho; “me chacoalhou literalmente e disse ‘a gente tá sofrendo, você não faz nada?’”. Ela ligou para o pai que, com a polícia, salvou-os.
Na polícia, Lygia diz que a aconselharam a arranjar uma arma, ofereceram serviços à parte para dar um jeito nele. “Uma vez entregaram intimação a uma mulher arrebentada, pra ela levar pro marido”, relata. Lygia propôs tirar todas as queixas desde que o ex-marido não perturbasse mais e ouviu: “Impossível, agora é o Ministério Público contra ele”. No entanto, segue impune.
Lygia acredita que ele usava drogas. “As agressões independiam de ter bebido. Dizia-se arrependido, mas voltava a cometê-las”, conta. 
A escola ofereceu ajuda psicológica; “meus filhos ainda fazem terapia, mas têm uma vida normal”.
Lygia é enfática quanto a não rotular a mulher que apanha. “Não é que não queira sair. O medo é tanto. A gente vira um robô”, afirma. Ela acredita que se tivessem ajudado, teria saído antes. “Nenhum vizinho fez nada. A sociedade é omissa”, observa.
A pedagoga refez sua vida, agora exerce sua profissão e quer desenvolver um projeto para amparar vítimas de agressão. “Tem que ter alguém para recorrer, pra apontar saída a elas”, finaliza.

(Lygia Bovo, vítima de violência contra mulher e contra seus filhos e filhas)

"Primeiro a família deve assumir o seu papel. O pai e a mãe devem saber onde o filho vai, controlar a presença do filho na rua. Os comerciantes também têm que ter responsabilidade, não podem deixar menor entrar, não podem vender bebida alcoólica pra menor. O Conselho tutelar tem que fiscalizar, tem que estar na rua, evitando que crianças cometam atos infracionais e estejam em situação de risco. O toque de acolher é uma medida genérica. Por ele pode-se, inclusive, impedir que uma criança que esteja em uma praça em condições sem risco algum, por exemplo em frente da sua casa, tenha esse momento de lazer, de convívio com a comunidade. Não vivemos uma guerrilha."
(Lucas Pimentel, promotor da Vara da Infância e Juventude de Bauru)


Não confio mais neles


"Há 18 anos leciono Artes. Neste ano, em uma sala de 1ª série do Ensino Médio, estava explicando a matéria quando chegaram três alunos atrasados. Entraram  sem pedir licença, rindo, mexendo com outros alunos e fazendo comentários irônicos. Adverti sobre o comportamento e disseram que estavam tomando água. Saí da sala para me acalmar e pegar um formulário de advertência. Depois dos envolvidos assinarem o formulário, peguei minha garrafa de água e bebi. Um aluno que não tinha nada com o ocorrido, rindo, me perguntou se a água estava gostosa. Ignorei o comentário e dei sequência à aula. Na saída para o intervalo, uma aluna me disse que achava que haviam colocado algo em minha água, ela me parecia satisfeita. Quando a questionei, disse não ter visto nada. Após o intervalo, perguntei sobre o ocorrido. Todos se calaram, por isso disse que faria uma ocorrência policial da sala toda. Aí, uma menina contou que um aluno cuspiu em minha água, o mesmo que achava que a água devia estar gostosa. Fiz uma nova ocorrência, um boletim de ocorrência policial e pedi encaminhamento para o Promotor de Justiça, exigi a presença da mãe na escola e o aluno foi suspenso três dias. Depois disso, entro naquela sala toda semana consciente de que minha aula é uma porcaria, não consigo ter prazer em estar ali. Minhas angústias já começam no domingo após o almoço, me sinto traída pela sala toda, acho que os outros alunos foram coniventes. Procuro ser justa e dar explicações como profissional, mas não sinto carinho por eles. No início, eu faltava nas segundas-feiras. Hoje, estou de licença-prêmio, volto na próxima semana e penso três vezes por dia em tirar uma licença-saúde. Não sinto saudade da escola. Acho que o fato me afastou de outros alunos, não consigo confiar mais neles. Parece que, se tiverem uma oportunidade de prejudicar um professor, eles o fazem. Meu trabalho nessa sala é muito diferente do que nas outras salas da mesma série. Para essa turma, me limito a transmitir o proposto no currículo, e para as outras elaboro mais trabalhos práticos, além do caderno de atividades."
(J.P., professora)