sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Toque de acolher é negado em Bauru

Na imagem, adolescentes se aglomeram em frente a um dos pontos de encontro da cidade, próximo à Praça da Paz
Medida que visa proteger adolescentes é indeferida pelo Juiz Maintinguer

Natã Crivari

18º lugar. Essa é a posição que a cidade de Bauru ocupa no Índice de Desenvolvimento Municipal, estipulado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), no ano de 2011. O índice abrange 5.564 municípios nas cinco regiões do país. Bauru, com seus 115 anos, recebeu nota 0,8882, numa escala de zero a um, onde quanto mais próximo de um é a nota do município, maior seu desenvolvimento. A pesquisa analisa três indicadores, sendo eles o da Saúde, da Educação e do Emprego & renda, porém, um dos índices que deveria ser analisado para o cálculo das notas é o de violência, em especial, o que se refere à violência infantil. Pensando justamente nas crianças, o Comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar, Ten. Cel. Nelson Garcia Filho, elaborou a proposta do “Toque de Acolher” para menores de idade. A análise do pedido foi uma verdadeira “novela” em que, no capítulo final, o Coronel viu a medida ser indeferida pelo juiz Ubirajara Maintinguer. A Firjan é vinculada ao Centro Industrial do Rio de Janeiro (CIRJ), Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e Instituto Euvaldo Lodi (IEL).
O toque de acolher ou toque de recolher é uma medida que restringe a permanência de jovens e adolescentes, menores de 18 anos, nas ruas e praças da cidade após as 23 horas. Depois desse horário, os menores poderão, sim, transitar por ruas, praças e estabelecimentos, porém, acompanhados dos pais ou responsáveis. Segundo o Comandante do 4º batalhão da PM, a medida foi pensada justamente para proteger esses jovens contra o assédio da violência, seja pelo tráfico, consumo de álcool e drogas ou ainda a prostituição.
O Coronel Nelson Garcia ingressou na polícia militar em 1982 e aponta que os maiores motivos do assédio aos jovens e adolescentes são o tráfico de drogas e a prostituição. Segundo ele, a estrutura familiar mudou ao longo dos anos e se antigamente o pai era arrimo do lar, trabalhava enquanto a mãe ficava em casa cuidando dos filhos, hoje é diferente. “O que aconteceu na sociedade mundial, e isso não poderia ser diferente no Brasil, é que a mulher precisou fazer o trabalho fora de casa e as crianças acabaram não tendo uma aproximação com a mãe”, diz o coronel. Esse não é, claro, o único motivo para que as crianças estejam mais vulneráveis ao crime. Hoje, não só na classe C, mas também nas classes A e B, o jovem sofre uma forte influência, por meio da propaganda, sobre a necessidade de estar enriquecendo rapidamente ou demonstrar determinada posição social.
Em Bauru o Comandante defende o teste da medida; “a nossa proposta poderia ser adotada por seis meses para verificar o resultado e, depois, ser prorrogada por mais seis meses para uma nova avaliação. Não tem a necessidade de ser a vida toda”. A medida, segundo o Coronel, não foi testada em nenhuma cidade grande, apenas em cidades pequenas, como Fernandópolis/SP.
A decisão do Juiz
No último dia 14 de setembro, o juiz da 4ª Vara Criminal e Anexo da Infância e Juventude de Bauru, Ubirajara Maintinguer, indeferiu a proposta do Comandante do 4º Batalhão da PM, Nelson Garcia Filho, que previa limitar o horário para a permanência de crianças e adolescentes nas ruas da cidade, “o que se convencionou chamar de Toque de Recolher ou Acolher”, segundo palavras do próprio juiz Maintinguer.
Segundo o procedimento verificatório 10/2010, para chegar à decisão pelo indeferimento da proposta, o Ministério Público requereu que fossem colhidas informações de diversos órgãos municipais e estaduais. Além disso, foi realizada audiência pública e foram colhidas informações também junto à OAB. Em documento enviado ao Cel. Garcia, o juiz aponta que a Constituição Federal atribui proteção integral à criança e ao adolescente pela família e pela sociedade. Já ao Estado cabe assegurar os direitos à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e à convivência.
No mesmo documento, o juiz entende como legal a medida, diferentemente do parecer dado pelo Promotor da Infância e Juventude Lucas Pimentel. “Quanto à legalidade da restrição, em que pese o parecer do Ministério Público em sentido contrário, somo a corrente doutrinária e jurisprudencial que a entende possível nos termos do artigo 149 do ECA, cujo rol não me parece taxativo e nem se tratar de medida genérica porque atende a situação determinada”, escreve o juiz.
Em seguida, o juiz explica que, antes de se deferir uma medida desse tipo, deve-se, primeiro, utilizar todas as outras alternativas para a solução do problema e aponta as medidas que devem ser adotadas; “no entanto, tenho que deve ser observada a excepcionalidade da medida, esgotando-se os recursos existentes, antes de determiná-la. Assim, acredito que devem ser mapeados os pontos de vendas de drogas, bebidas alcoólicas e de aglomeração de menores para que seja intensificado o policiamento. O Conselho Municipal deve ser comunicado da deficiência estrutural quanto aos espaços de cultura e lazer (...).Todas as Conselheiras Tutelares devem trabalhar no horário do expediente e em plantões apenas à noite e nos finais de semanas para que possam visitar diariamente os locais a que me referi”.
Ao fim, o juiz volta a reiterar que, referente às famílias, cabe aos pais a educação dos filhos, a limitação de horários para saírem e controle de frequência a locais públicos e espaços comunitários. Os filhos devem aos pais obediência e respeito. Em casos em que os filhos não cumpram essas obrigações, podem ser submetidos a medidas de proteção socioeducativas, a serem aplicadas pelo Conselho Tutelar e Poder Judiciário. Os pais podem sofrer sanções caso descumpram seus deveres, sendo que a guarda dos filhos pode até ser-lhes suspensa ou tirada.
“Se cada um cumprir a sua parte, com certeza, o resultado será mais satisfatório e não será preciso a adoção da medida de exceção que, por agora, fica indeferida”, finaliza o documento.

Veja o depoimento de Lucas Pimentel, promotor da Vara da Infância e Juventude de Bauru em nossa galeria de depoimentos. Clique aqui.

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