sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Juiz recolhe jovens e reduz criminalidade

Índice de furtos cai 87% em Fernandópolis, depois de decisão polêmica

Otávio Frabetti

Julho de 2005. O então recém-chegado juiz da infância e juventude de Fernandópolis (SP), Evandro Pelarin, hoje com 39 anos, recebe uma missão de alguns populares: conter o abuso desenfreado de menores de idade que ficavam soltos nas ruas de madrugada consumindo bebidas alcoólicas. O juiz pediu ajuda à PM e realmente as reclamações batiam. Em um plantão numa madrugada de domingo, 50 a 60 menores chegaram ao fórum com evidências de terem bebido, e alguns de terem usado entorpecentes. Logo após o fato, a polícia emite um estudo (parecer) alegando que a rua era um local perigoso para os jovens à noite. Era preciso proteger e prevenir esses jovens dos riscos noturnos. E Pelarin assim o fez. Recomendou prudência e cuidado aos pais para evitarem que seus filhos ficassem nas ruas sozinhos depois das 23 horas. Estava instituído o Toque de Recolher. Embora não faça escolha por nomenclaturas, Evandro prefere Toque de Acolher. Segundo ele, é isso que é feito. Acolher jovens em perigo e mandá-los em segurança para seus lares.
Violência
Apesar da diminuição de muitos atos infracionais (crime cometido por menores), Pelarin se antecipa ao afirmar que a função do toque não é combater o crime. Para ele, a diminuição é lógica; ao se retirar das ruas pessoas em potencial risco de cometerem um ato, as estatísticas diminuirão. E reitera. Sua função é proteger o menor.
Trabalho
Essa é a palavra chave para entender o pensamento do juiz Evandro. Repetida várias vezes durante a entrevista, o juiz parece tratar o toque com muito carinho, como se fosse uma mãe mostrando o quarto arrumado do filho que regressa após tempos fora de casa. Ele frisa que o trabalho não é fácil, e nem perfeito, mas a diferença é que ele abraçou a causa e trabalha para valer. Quando o acusam de ser um homem midiático, o que segundo ele acontece sempre, Pelarin responde que quando houver mais atitudes similares à dele em outras localidades, a medida deixará de ser novidade. Para ele, o trabalho começou, está no meio, e poderá nunca ter fim. Não à toa, usa uma frase de Barack Obama, que parece ser seu lema. “Ao invés de combater nosso esforço, junte-se a nós”.
O juiz
O juiz é um homem muito respeitado e benquisto na cidade. Com uma linha pop (mantém contas no Twitter e no Facebook) conversa com jovens a respeito da medida e sempre quando há shows na cidade é perguntado se menores poderão ir sozinhos. A resposta é bem divertida: “se estiver acompanhado do papai e da mamãe, sem problema”. [É permitida a permanência com outros responsáveis, como avós e tios]. A única exceção é a Expo Fernandópolis, tradicional festa da cidade, quando o toque deixa de ser cumprido até o término dos shows. No resto, não tem choro. Ou está acompanhado de responsáveis, ou fica em casa. Sozinho não. Os dois filhos do juiz, de 2 e 4 anos, também terão que se acostumar quando chegarem à adolescência. O pai acha que terão problema para se adequarem. Mas, terão que seguir a lei.
Apoio
“Quanto ao apoio, não somos hipócritas. Queremos sempre apoio. Mas não é nosso objetivo. Trabalhamos para cumprir a lei. Ficamos envaidecidos, mas também recebemos críticas pesadas, até caluniosas, e se fôssemos pesar os elogios e as críticas, entraríamos em uma crise existencial psicológica. Estamos aqui para trabalhar. Se a sociedade bate palma, ótimo. Se não bate, nós vamos continuar a trabalhar. Não tem saída”. Assim, Pelarin define o apoio dos pais, que na maioria das vezes, vão assustados ao conselho tutelar saber dos filhos.
Quem não gosta
“Estamos em um país de críticos. As pessoas mal leem, não sabem como funciona nosso trabalho, não conhecem as leis e mal querem conhecer e já se acham doutores para criticarem”. É essa sua resposta para críticos que consideram sua medida totalitária e que infringe o direito de ir e vir, assegurado pela constituição. Ao que ele responde: “Ninguém tem liberdade absoluta. Eu não posso entrar no banco agora (16h30). Não posso pegar meu carro e parar em qualquer lugar. Os menores são submetidos ao poder dos pais. Eles não têm condições para decisões complexas da vida. Não podemos deixar que um menino de 10,11 anos faça escolhas duas horas da manhã na rua”. Ele explana que não é ele quem faz restrições e sim a própria lei. E demonstra essas restrições apelando para um exemplo extremo: “Imagine uma criança de 11 anos que queira ir sozinha à Votuporanga (30 km de Fernandópolis) para ver a vó e o vô. Ela não pode. A lei impede o amor de avós e netos? Claro que não.”
E assim o jovem juiz vai trabalhando, seguindo as leis, cumprindo as regras e se mantendo forte com seu toque, que não é uma novidade no Brasil (há atitude semelhante em 72 cidades brasileiras espalhadas por São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná e mais 14 outros estados) e muito menos no Mundo (Grande parte dos Estados Unidos possui restrições similares).






Respeito marca atuação das operações antirrisco de menores
As operações são sempre aos finais de semana, sem dia definido, em uma média de três operações mensais. A PM age em companhia de conselheiros tutelares. O tratamento é respeitoso aos jovens em situação de risco. Dr. Evandro espera compor um quadro de voluntários para aumentar a frequência das blitzes e desonerar a polícia, que não tem como função vigiar menores e sim manter a ordem pública. A fiscalização acontece perto de bares, casas noturnas e lugares com potencial de risco. O objetivo não é realizar uma “caça às bruxas”. A fiscalização é treinada para não levar estudantes uniformizados ou adolescentes saindo do cinema e voltando para casa. Apenas menores portando bebidas e entorpecentes, ou em situação de risco, que estão desacompanhados de seus responsáveis. Eles serão abordados, levados ao conselho tutelar ou à casa dos pais. Estes são advertidos na primeira vez, e podem receber multas de 3 a 20 salários mínimos e perda ou suspensão do poder familiar se os filhos reincidirem. Pelarin salienta que o Código Civil impõe a guarda e a companhia das crianças aos pais.


Toque escolar e trabalho infantil são propostas válidas
Em Fernandópolis há também o toque escolar.  Dr. Evandro explica que todos têm direito à educação. Todavia, se pressupõe a frequência escolar.  Ou seja, a falta de responsabilidade escolar fere um direito do próprio indivíduo. Dessa maneira, um estudante encontrado nas ruas em horário escolar será imediatamente recolhido pela PM e devolvido à escola, local em que ele deve estar “por bem, ou por um modo mais incisivo”, de acordo com o magistrado. Quanto ao trabalho infantil, Dr. Evandro Pelarin também se posiciona contrariamente. Sua opinião é que há incongruências grandes na lei, já que quando um menor comete um ato infracional ele pode ser condenado a prestar serviços à comunidade como medida sócio-educativa. Se ele não cumprir, pode ser condenado a uma internação. “E o menor que não cometeu crime e quer trabalhar?”, questiona o juiz. Para Pelarin, é preciso acabar com a ideia de que o trabalho infantil é exploratório ou agressivo (como pensam o Ministério do Trabalho e o Ministério Público Estadual, nas palavras de Dr. Evandro); “nós tentamos mostrar o trabalho não como castigo, mas como prêmio. Se vai bem na escola, respeita professores, e quer trabalhar, é encaminhando ao mercado de trabalho com salário correto, sem ser um emprego insalubre, além de ser diurno”. Desde 2005,  mais de 2000 autorizações foram dadas para adolescentes trabalharem, embora muitos nem comecem e outros parem no meio do caminho. 

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