sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Modelo de gestão pode ser violento

A violência no ambiente profissional se manifesta nas condições precárias, acidentes, doenças e relações degradantes de trabalho

Carol Costa

Os suicídios de vários trabalhadores de uma fábrica em Shenzhen, na China, propriedade da empresa tailandesa Foxconn, ganharam o noticiário internacional em 2010. Maior fabricante de componentes eletrônicos e de computadores do mundo e empregadora de 400 mil pessoas, a empresa se viu obrigada a instalar redes de segurança em torno de suas instalações e a contratar psicólogos para prevenir novas tragédias. O que há por trás dessa situação é um cenário de violência no trabalho, que não está restrito a um país, um estado ou uma cidade. 
O caso da Foxconn é um retrato da degradação que as péssimas condições de trabalho, como as longas jornadas e a alta exigência em termos de produtividade, impõem aos trabalhadores. Mas essa é apenas uma das faces da violência no ambiente profissional, como explica a psicóloga Maria Dionísia do Amaral Dias, que atua na área de Saúde do Trabalhador: “o trabalho no capitalismo constitui-se como uma violência e engendra diversas formas de manifestações cotidianas dela nos ambientes de trabalho, podendo ser citadas a  manutenção de condições precárias e acidentes de trabalho, doenças do trabalho, relações de trabalho degradantes, discriminações diversas, além de violências psicológicas e morais”.
As consequências são inúmeras. Maria Dionísia aponta que essas formas de agressão se refletem na saúde do trabalhador, expressandose no sofrimento, nas doenças físicas e mentais e, inclusive, na morte, acarretada por suicídios, acidentes fatais ou doenças graves. Tal situação já é tratada, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como uma realidade que afeta milhões de trabalhadores.
Os dados mais atuais da Gerência Regional do Trabalho em Bauru, referentes a 2010, mostram como a violência manifestada na negligência em relação à saúde e segurança dos trabalhadores está presente na região. Em uma área que abrange 55 municípios e cerca de 2 milhões de pessoas, foram realizadas 146 ações fiscais rurais, a maioria em frentes de corte de cana, informa o Gerente Regional do Trabalho, José Eduardo Rubo. O resultado foram 319 autuações referentes à segurança e 139 relativas à proteção dos trabalhadores. As principais infrações encontradas estão ligadas às irregularidades nos refeitórios, no uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e na utilização de agrotóxicos.
Também existem casos que não entram para as estatísticas oficiais, mas se caracterizam como agressão. Foi isso o que aconteceu com Carolina Matsuzaki, auxiliar administrativa em um escritório localizado na cidade de Lençóis Paulista. Ao sair do prédio onde trabalha, a funcionária teve seu dedo prensado por uma porta, o que acabou ocasionando uma lesão e perda parcial de mobilidade. As despesas com radiografias e remédios para o tratamento, no entanto, não foram assumidas pelo empregador, nem quando solicitado pela funcionária, que, inclusive, trabalha sem registro. 
O assédio no ambiente profissional é outra situação que atinge os trabalhadores como uma forma de violência, mas que nem sempre é vista com seriedade. A técnica em radiologia Maria passou por isso há cerca de três anos, no hospital onde trabalha. Ela prefere não divulgar seu nome. Tudo começou quando foi chamada durante seu plantão para fazer uma radiografia na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).  Ao passar pelo pronto-socorro a caminho da UTI, notou certo comportamento estranho de um médico residente e isso se confirmou quando ele passou a encará-la e a perguntar, sem motivo aparente, se a radiologista poderia ajudá-lo. O que se seguiu foi uma perseguição: “percebi que ele não estava normal, a pupila dele estava dilatada e sua atitude era estranha. Com muito custo, consegui sair do local e me dirigi até a secretaria. Ele me seguiu, veio para meu lado e me deu um beijo no rosto, mesmo eu tentando me esquivar. Sai correndo e me tranquei na sala de exames”, conta. 
O episódio, no entanto, não acabou aí. Depois de passar cerca de vinte minutos escondida dentro da sala, ao sair, a técnica se deparou novamente com o residente, acompanhado de uma paciente, que continuava insistindo se ela não iria ajudá-lo: “Tremendo muito, respondi que o médico ali era ele e que eu era uma simples técnica em raios-X; perguntei o que ele queria que eu fizesse para ajudá-lo com a paciente. Ele ficou totalmente possesso e começou a me agredir verbalmente”, relata Maria. Nas semanas seguintes, a frequência do médico no setor de radiologia e sua atitude estranha tornaram-se assíduas, assim como a angústia da funcionária: “eu morria de medo dele fazer alguma coisa para mim. Quando ia dar plantão, eu saia de moto e ficava olhando em volta, desviava o caminho de casa, fazia outros trajetos”. O sofrimento só acabou meses depois, quando o médico foi afastado pelo hospital, graças às sucessivas reclamações sobre seu comportamento.

Veja o depoimento de Maria, vítima de assédio no trabalho em nossa galeria de depoimentos. Clique aqui.


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