sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Crianças brasileiras vivem realidades bem diferentes do que prevê a ONU

Conselheiras falam sobre o aumento dos casos de abuso sexual e da importância da denúncia

Everton Sylvestre

Menino faz malabarismo em esquina de Bauru; Conselho Tutelar tenta mudar essa realidade
Conforme a Declaração Universal dos Direitos da Criança, elas devem ser protegidas “contra toda forma de abandono, crueldade e exploração”. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que “têm direito a proteção à vida e à saúde”, bem como a “inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral”. Mas, na realidade, as coisas são bem diferentes.
Todos os dias, em torno de 18 mil crianças sofrem violência no Brasil, de acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Cerca de cem crianças morrem no país, por dia, vítimas de violência, segundo pesquisa do Laboratório de Estudos da Criança da USP.
Para mudar os rumos dessa história, o Unicef atua a fim de garantir às crianças “o direito a sobreviver, a ter uma certidão de nascimento, a receber cuidados e proteção e a desenvolver-se integralmente”. Os Conselhos Tutelares também dão importante contribuição para garantir esses direitos.
Em Bauru, há quatro conselheiras na ativa. Isabel Dias Moita, que foi conselheira tutelar há uma década e está de volta para a presente gestão, constata: “há dez anos, havia uso de drogas entre adolescentes, hoje essas pessoas continuam usando e seus filhos também usam”.
“Fazemos visitas domiciliares constantes, cada conselheira faz em média três por semana”, conta Isabel, lembrando que o Conselho faz, por mês, em torno de cem atendimentos caracterizados como orientação, mas atende também casos de maus tratos, omissão, negligência, advertência escolar e de abuso sexual. “O aumento dos casos de abuso me impressiona. Em Bauru, temos, em média, quatro casos por mês”, relata. A conselheira diz que, na maioria dos casos, quem pratica a violência é o padrasto, mas nem sempre. “Existem alguns casos em que é o pai, inclusive tendo filho com a própria filha. O que me deixa chateada é o abuso acompanhado de omissão”, afirma. Isabel diz que, ao descobrir, há pessoas que solicitam a polícia imediatamente; outras, no entanto, continuam convivendo com a situação. 
A conselheira ressalta ainda que depois que o Conselho intervém, há pessoas que se dispõem a colaborar, mas dizem que não denunciaram antes porque o agressor é violento e tinham medo. Outro problema que relata são brigas entre parentes ou vizinhos que resultam em denúncias falsas, além de casos em que a própria criança liga, fazendo a denúncia. “Tem que realmente tomar a decisão de ligar. A pessoa que é omissa também é penalizada. Se não denuncia, é cúmplice”, conclui.
Fernanda Sorrilha, também conselheira, enfatiza o papel do Conselho no combate ao trabalho infantil e ao uso de drogas; “são feitas fiscalizações na região do shopping e em casas noturnas”. Destaca ainda o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e a importância da oferta de atividades culturais e esportivas, o que dá às crianças outras oportunidades e as aproxima; “fica mais fácil conhecer sua situação”.
Ambas lembram que são feitas palestras em escolas, geralmente sobre o ECA, e que um material educativo para conscientização está sendo produzido. Fernanda ressalta que qualquer colaboração para edição desse material é bem-vinda. O Conselho Tutelar de Bauru fica na Rua Cussy Júnior, 13-55; denúncias podem ser feitas pelo telefone (14) 3227-3339 ou, em todo o país, pelo Disque 100. Não é preciso se identificar.
A escola também pode colaborar
A psicopedagoga Luciana Vecchi, professora de Educação Especial em Bauru, afirma que a escola sempre tem que estar atenta a sinais de violência. “Se notamos mudança de comportamento, chamamos os pais para conversar. A gente pergunta se ocorre algo, eles sempre negam”, conta. A escola encaminha o caso à assistente social, mas o processo é burocrático; “estamos frente a frente, mas o pai mascara. Até pegar, demora; às vezes, mais de ano e não há outra maneira”.
Quanto às mães omissas, Luciana lembra que muitas vezes elas mostram marcas nelas também. “Às vezes, é melhor tirar a criança. Às vezes, tira-se o agressor e tem que dar assistência a mãe”, diz.
 Na escola, a criança recebe atendimento diferenciado; “com jogos, um ambiente lúdico, estimulador, para avançar e não pensar em tudo o que ocorreu. Tem adaptações, mas continua com o grupo para aprender e evoluir”, explica.

Veja o depoimento de Creusa Lopes Fagundes em nossa galeria de depoimentos. Clique aqui.

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